domingo, 29 de março de 2015

Finais de cartas

Um dia vou fazer um esforço psicanalítico e tentar entender a razão pela qual eu gosto tanto de finais de cartas. Esta é do Langston Hughes (que livro, que trabalho, que coisa maravilhosa!) para o professor Alain Locke, escrita em maio de 1923.

"Please write to me soon as I shall not be here much longer. The hills are at their loveliest now and I do not like to go, but then there are other rivers in the world to see besides the Hudson. And Oh! so many dreams to chase!

Your friend,
Langston Hughes

Jones Point, New York, Friday".


sexta-feira, 27 de março de 2015

O poeta morreu esta semana



Herberto Helder se foi. E aqui, para lembrar:


"o teu nome novo, comecei eu a tirá-lo com uma navalha da madeira grossa,
e nunca mais saía a única letra até dentro,
a primeira, e já toda a mão me sangrava
com o talho à volta dos dedos,
e a letra e o melhor do meu sangue e a seiva
metiam-se pela ferida como se ela mesma fosse
o meu trabalho apenas,
sangue que escorria pulso abaixo e me escoava:
a própria lavra da escrita -
¿oh quando arranjarei mão que alcance em sangue e força
o fundo final desse começo de ti
nome terreno,
isso: coisa amada tanto quanto o alvoroço mortal deste fim de idade:
será que nenhum poder me devasta ainda?"





segunda-feira, 23 de março de 2015

O maior berro do mundo

Trecho inicial de crônica de 14 de setembro de 1971 publicada em "O Globo".

1 - Não sei se repararam (e a gente não repara nas evidências mais ululantes). Mas ninguém ouve ninguém. Imaginemos a conversa de dois amigos. O que um diz entra por um ouvido e sai por outro. Dirão que exagero. Nem tanto, nem tanto. O que nós chamamos de diálogos é, na maioria dos casos, um monólogo, cuja resposta é outro monólogo.

2 - Por isso, a nossa vida é a busca desesperada de um ouvinte. Hoje, poucos sacerdotes nos concedem a graça de uma confissão. E um padre de passeata dizia-me enojado: - "Como é chata a confissão!" Pausa e completa: - "Que bobagem é a confissão!" Mas eis o que eu queria dizer: - o confessor fascinava por isso mesmo, porque era um ouvinte.

3 - Outro exemplo: - o psicanalista. É um dos grandes homens do nosso tempo. Não damos um passo, na rua, sem esbarrar, sem tropeçar num sujeito que está na hora da análise. E todo mundo paga um milhão e quinhentos, dois milhões por mês. Milhares e milhares de famílias brasileiras vivem com muito menos. Mas o analista é um ouvinte, e pagamos o ouvinte.

4 - Há dias encontrei um amigo. Não o via há muito tempo. Fiz-lhe uma festa imensa e não retribuída. Ele que, em outros tempos, era um extrovertido ululante, quase não falava. Aos pouquinho, porém, contou-me que fazia análise. Perguntei-lhe: - "Tens melhorado?" Resposta: - "Piorado." Julguei ter ouvido mal: - "Melhorado?" E o outro - "Piorado." E, então, numa curiosidade aguda, quis saber há quanto tempo fazia análise. Disse: - "Três anos." A alma caiu-me aos pés: - "Três anos e não melhoraste?"

5 - Ele então disse tudo, não ia ao analista para melhorar ou piorar. O que ele queria era um ouvinte. Durante 45 minutos por vez, um semelhante o escutava. O que meu amigo pagava não era o tratamento, mas o ouvinte. 




quinta-feira, 19 de março de 2015

Angústias

Acho que isso é sempre. Mas a gente tenta minimizar.Eu sempre falo deste assunto.


segunda-feira, 16 de março de 2015

O meu poeta

As coisas

não começam

com um conto

nem acabam
com um .


quinta-feira, 12 de março de 2015

O passado volta

Neil Gaiman faz uma explicação muuuito bacana na introdução do seu livro novo. Antes de chegar no título em si, é isso aqui:

"There are things that upset us. That's not quite what we're talking about here, though. I'm thinking rather about those images or words or ideas that drop like trapdoors beneath us, throwing us out of our safe, sane world into a place much more dark and less welcoming. Our hearts skip a ratatat drumbeat in our chests, and we fight for breath. Blood retreats from our faces and our fingers, leaving us pale and gasping and shocked.

And what we learn about ourselves in those moments, where the trigger has been squeezed, is this: the past is not dead. There are things that wait for us, patiently, in the dark corridors of our lives. We think we have moved on, put them out of mind, left them to desiccate and shrivel and blow away; but we are wrong. They have been waiting there in the darkness, working out, practicing their most vicious blows, their sharp hard thoughtless punches into the gut, killing time until we came back that way.

The monsters in our cupboards and our minds are always there in the darkness, like mold beneath the floorboards and behind the wallpaper, and there is so much darkness, an inexhaustible supply of darkness. The universe is amply supplied with night."





quarta-feira, 11 de março de 2015

A menina do mar

Livro lindo, relançado agora pela Cosac.

E no comecinho:

"Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e flores marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas."



domingo, 8 de março de 2015

Agora a mãe

"na esquina da consolação 
com a paulista
me perdi de vista
virei artista
equilibrista
meio mãe
meio menina
meio meia-noite
meio inteira
inteiramente alheia
toda lua cheia"

No post anterior: a filha.


No post anterior: a filha.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Estrela



"eu edito mas não é inédito
eu medito mas sempre sou cético
eu acredito mas não me dão crédito
eu me medico mas não tenho remédio
eu me dedico mas não é nada sério
eu implico mas não sou cego
eu sou todo ouvidos mas não ouço estéreo
eu pago mico mas não nego
eu tenho siricotico mas não lembro do telecoteco
eu sempre sigo mas não estou nem perto

eu sou o meu mistério."



Que graça.


segunda-feira, 2 de março de 2015

FUBAR

Trecho final da carta do Paul Auster para o Coetzee, de 3 de dezembro de 2010.


"Must run, but I wanted to dash off a few words to you before leaving. I'll be back in New York on the sixteenth. In the meantime, I offer you an American military expression from World War II, which I recently came across for the first time: FUBAR. (Translation: fucked up beyond all recognition.) Not bad, eh?

Warmest best,

Paul."