sábado, 30 de abril de 2016

Agora aqui ninguém precisa de si

ex
trair
do tempo improvável, do improvável,
de suas maquinações, ações,
do ato regular que se dissipa em método, todo
hábito que habito, repito,
da meta inalcançável que me fita, cripta
do incontável número dos dias vividos, idos,
da inumerável cota dos dias por vir, ir,
da engrenagem que não para, dispara,
sacode o chão que piso, piso
de um ônibus em movimento, momento
em que me agarro ao cilindro de metal do alto

-

a vida

-

não a que resta ainda, indo,
mas a que transborda de cada ar expirado, inspirado,
até que arrebente, vente.


quarta-feira, 27 de abril de 2016

Mais poesia nova

Forgetting someone is like
forgetting to turn off the light in the back yard
so it stays lit all the next day.

But then it's the light
that makes you remember.


domingo, 24 de abril de 2016

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Mais poesia

De Adélia Prado

Chorinho Doce

Eu já tive e perdi
uma casa,
um jardim,
uma soleira,
uma porta,
um caixão de janela com um perfil.
Eu sabia uma modinha e não sei mais.
Quando a vida dá folga, pego a querer
a soleira,
o portal,
o jardim mais a casa,
o caixão de janela e aquele rosto de banda.
Tudo impossível,
tudo de outro dono,
tudo de tempo e vento.
Então me dá choro, horas e horas,
o coração amolecido como um figo na calda.


segunda-feira, 18 de abril de 2016

900

Postagem de número 900. Que coisa incrível. Desde 2008, com algumas interrupções. Pensei em escolher meus queridos: Whitman, Leminski, Alice, Caio, Valter, Toni, Amós Oz, Nelson Rodrigues, Bill Bryson, Ana Cristina, Mark Twain, Veríssimo, Guimarães Rosa, Sophia, Vinícius, etc. Mas voltei à introdução do livro do Harold Bloom: "Como e Por que ler". Em 8 páginas Bloom nos explica, o porquê lemos. E o porquê é importante ler. E mais importante ainda: o porquê gostamos dessa loucura toda. Então, aí vai um trechinho.


"Livrar a mente da presunção enseja o segundo princípio para o resgate da leitura: Não tentar melhorar o caráter do vizinho, nem da vizinhança, através do que lemos ou de como o fazemos. O auto-aperfeiçoamento é projeto suficientemente grandioso para ocupar a mente e o espírito: não existe a ética da leitura. A mente deve guardar certa cautela, até ser expurgada da ignorância original: incursões precoces pelo ativismo têm o seu fascínio, mas consomem tempo demais, e, para a leitura, jamais haverá tempo bastante". 

Sabem, eu fico feliz com uma coisa (e perdoem a minha falta de modéstia): coerência. Desde o início o blog era só pra falar de literatura. E é esse o objetivo. E espero continuar assim. E num momento raro: eu e meu Grande Sertão. 



Obrigada.


sábado, 16 de abril de 2016

Paraísos de Papel

Hoje tem vídeo novo. Nosso primeiro livro adulto!


quinta-feira, 14 de abril de 2016

Nada a temer

A idade adulta traz aproximação, fluidez e dúvidas; e nós mantemos a dúvida a distância, recontando aquela história familiar, com pausas de efeito calculado, fingindo que a solidez da narrativa é uma prova de que ela é verdadeira. Mas a criança ou adolescente raramente duvida da veracidade e da precisão dos lúcidos e brilhantes fragmentos do passado que ela possui e celebra. Portanto, nessa idade, parece lógico pensar que nossas lembranças estão armazenadas em algum depósito de malas, prontas para serem resgatadas mediante um tíquete; ou (se isso parecer uma comparação velha, sugerindo trens a vapor e compartimentos só para mulheres), como mercadorias deixadas num desses depósitos individuais que existem agora nas principais estradas. Sabemos que devemos esperar o aparente paradoxo da velhice, quando iremos começar a recordar segmentos perdidos da nossa infância, que irão tornar-se mais nítidos do que os segmentos da meia-idade. Mas isso apenas parece confirmar que está tudo lá em cima, em algum depósito cerebral, tenhamos ou não acesso a ele.


terça-feira, 12 de abril de 2016

Fama e fortuna

Assinei meu nome tantas vezes
e agora viro manchete de jornal.
Corpo dói - linha nevrálgica via
coração. Os vizinhos abaixo
imploram minha expulsão imediata.
Não ouviram o frenesi pianíssimo da chuva
nem a primeira história mesmo de terror:
no Madame Tussaud o assassino esculpia
as vítimas em cera. Virou manchete.
Eu guio um carro. Olho a baía ao longe,
na bruma de neon, e penso em Haia,
Hamburgo, Dover, âncoras levantadas
em Lisboa. Não cheguei ao mundo novo.
Nada é nacional. Desço do meu salto,
dói a culpa intrusa: ter roubado
teu direito de sofrer. Roubei tua
surdina, me joguei ao mar,
estou fazendo água. Dá o bote.



domingo, 10 de abril de 2016

Paraísos de Papel e dicas

Dicas e dicas para uma wish list eterna.



sábado, 9 de abril de 2016

Ferreira Gullar




Trecho inicial de "E o cronista endoidou", de 19/06/2005.

Vou falar hoje de um assunto que talvez não seja assunto de crônica, mas, como já disse que ninguém sabe o que é crônica, vou falar assim mesmo. O assunto é o poema, uma tese sobre o poema, coisa que possivelmente não interessa a ninguém e, quem sabe, por isso mesmo eu deva falar dele.

Costumo dizer que o poema não vale nada. Não vale nada no mercado. Pouca gente compraria um poema e, se comprasse, seria barato, ou seja, ao preço do mercado. Não obstante, nem tudo é o mercado. Há mais espaços na vida do que sonha a nossa vã filosofia.

Por exemplo, quando estava eu no exílio, conheci um sujeito, economista, casado com uma linda morena brasileira. Ele e ela frequentavam regularmente aquelas reuniões um tanto fossentas de exilados. Reuniões que não eram tão alegres quanto os papos no Jangadeiros ou no Vermelhinho, mas era o que tínhamos e, em certas situações, é melhor alguma coisa do que nada. Há divergências, é claro.

Pois bem, nessas reuniões o marido da brasileira bonita, que era talvez chileno ou espanhol, costumava sentar-se ao meu lado e puxar conversa sobre economia. Citava números, estatísticas, percentagens, leis do mercado e eu, sem muita alternativa, escutava. Até chegar o momento azado em que pedia licença a pretexto de ir ao banheiro ou apanhar uma bebida e não voltava mais. E eis que, inesperadamente, me contam que a tal morena brasileira deixara o economista por um argentino. Pensei logo comigo: na próxima reunião, se ele aparecer por lá, vai ser pior ainda, aí é que grudará comigo o tempo todo.

E chegou esse dia. Fui para a reunião disposto a escapar do sujeito a qualquer preço e consegui por algum tempo. Quando já estava no terceiro copo de cerveja, distraí-me e ele sentou-se ao meu lado. E sabem o que aconteceu? Não falou uma só palavra de economia - só falou de poesia, assunto que dominava muito bem. Falou-me de seus poetas preferidos, que eram alguns de língua espanhola, outros franceses, ingleses ou italianos. Sabia de cor poemas de Eliot e de Fernando Pessoa. 

- Estou relendo meus poemas queridos - confessou.

E então entendi: é que a morena tinha ido embora e, quando a morena vai embora, meu caro, só a poesia nos socorre. É então que ela se torna necessária. 

Se tudo corre bem, a economia basta, mas, se a morena se vai, não há economia, nem trigonometria, nem geografia, ecologia, paleontologia que dê jeito. Só mesmo a poesia.



quarta-feira, 6 de abril de 2016

Contra um mundo melhor

"Às vezes me pergunto de onde vem minha simpatia pela atitude do rei Davi em seus salmos, já que não sou religioso. O crítico Otto Maria Carpeaux me responde. Nossa imensa ignorância perante a imensidão da vida e do universo, perante a impenetrabilidade das razões de nosso nascimento e de nossa morte, perante nosso inexorável isolamento nesta vastidão dos espaços infinitos de escuridão que nos assusta, como diria Pascal, nos impõe a humildade como forma última de estar no mundo. Sem ela, não há conhecimento possível."



terça-feira, 5 de abril de 2016

Minha Toni Morrison

Trecho da página 158 de "God Help the Child"

They will blow it, she thought. Each will cling to a sad little story of hurt and sorrow - some long-ago trouble and pain life dumped on their pure and innocent selves. And each one will rewrite that story forever, knowing the plot, guessing the theme, inventing its meaning and dismissing its origin. What waste. She knew from personal experience how hard loving was, how selfish and how easily sundered. Witholding sex or relying on it, ignoring children or devouring them, rerouting true feelings or locking them out. Youth being the excuse for that fortune-cookie love - until it wasn't, until it became pure adult stupidity.



A maior. 

domingo, 3 de abril de 2016

Edgar Allan Poe

Nosso programinha de hoje. Do Paraísos de Papel.

Poe forever.


sábado, 2 de abril de 2016

Descobertas - Yehuda Amichai

Descobrir um poeta pra mim é uma felicidade. Mas sou lenta. Descubro coisas da maneira mais atrasada possível. 

Deveria ter descoberto Yehuda Amichai há tempos, mas, né? 

Foi, talvez, o mais importante poeta de Israel. Tem poemas traduzidos em não sei quantos idiomas. E acabei de ler este livro mais lindo.



E um pouquinho da poesia dele:

Before

Before the gate has been closed,
before the last question is posed,
before I am transposed.
Before the weeds fill the gardens,
before there are no more pardons,
before the concrete hardens.
Before all th flute-holes are covered,
before things are locked in the cupboard,
before the rules are discovered.
Before the conclusion is planned,
before God closes his hand,
before we have nowhere to stand.