quinta-feira, 14 de abril de 2016

Nada a temer

A idade adulta traz aproximação, fluidez e dúvidas; e nós mantemos a dúvida a distância, recontando aquela história familiar, com pausas de efeito calculado, fingindo que a solidez da narrativa é uma prova de que ela é verdadeira. Mas a criança ou adolescente raramente duvida da veracidade e da precisão dos lúcidos e brilhantes fragmentos do passado que ela possui e celebra. Portanto, nessa idade, parece lógico pensar que nossas lembranças estão armazenadas em algum depósito de malas, prontas para serem resgatadas mediante um tíquete; ou (se isso parecer uma comparação velha, sugerindo trens a vapor e compartimentos só para mulheres), como mercadorias deixadas num desses depósitos individuais que existem agora nas principais estradas. Sabemos que devemos esperar o aparente paradoxo da velhice, quando iremos começar a recordar segmentos perdidos da nossa infância, que irão tornar-se mais nítidos do que os segmentos da meia-idade. Mas isso apenas parece confirmar que está tudo lá em cima, em algum depósito cerebral, tenhamos ou não acesso a ele.


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