domingo, 29 de julho de 2012

Alice Ruiz


Drumundana


"e agora Maria?


o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou 
à luz do dia


e agora Maria?
Vai com as outras
vai viver 
com a hipocondria."




quinta-feira, 26 de julho de 2012

Sophia


Porque


"Porque os outros mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não."

Sabe aquela coisa de abrir o livro em qualquer página e ver o que rola? Pois é. Cada coisa.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Lya Luft



Pra gente começar bem a semana: "auto-retrato"

"Alguém diz que sou bondosa;
está tão enganado que dá pena.
Alguém diz que sou severa,
e acho graça.
Não sou áspera nem amena:
estou na vida como o jardineiro
se entrega em cada rosa;
corte, sangue dor e aroma,
para que a beleza fique na memória
quando a flor passa.


(Amar é lidar com os espinhos
de quem ama por inteiro:
com força, não com fraqueza.)"

Boa semana, amigos.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Vinícius

 

O que é que tem sentido nesta vida - de Vinícius e Edu Lobo



"O que é que tem sentido nesta vida
Não vai ser casa e comida
Cama fofa, cobertor
Não vai ser ficar mirando os astros
Ou então andar de rastros
Pelas sendas do senhor


Para muitos é o dinheiro
Ir de janeiro a janeiro
De pé no acelerador
Eu, sinceramente, preferia
Uma vida de poesia
Na vigília de um amor


Há quem creia em ter status
Sair em fotos & fatos
Ter ações ao portador
Eu só acredito em liberdade
E estar sempre com saudade
De viver um grande amor."

Como eu adoro este cara.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Adjetivos do Nelson Rodrigues


Trecho da crônica "Quase enforcaram o autor como um ladrão de cavalos". Publicada no jornal "O globo" em 22/01/1969.

"Eu ainda não sabia que nada compromete mais, e nada perverte mais do que a unanimidade. E a minha vaidade assumia uma forma obsessiva e feroz. Ocorreu-me um novo recurso promocional, que era o seguinte - eu próprio escreveria sobre mim mesmo e faria com que amigos assinassem. Assim fiz. E os amigos foram de uma solidariedade cínica e esplêndida. Assinavam tudo e com radiante impudor.

Mas a minha vizinha, gorda, patusca e cheia de varizes, vive dizendo - "Não há bem que sempre dure, nem há mal que nunca acabe." E, no fim de certo tempo, houve em mim um processo de saturação. Com pouco mais, percebi que a minha vaidade estava exausta. Primeira providência - não escrevi mais uma linha para que terceiros assinassem. Segunda providência: comecei a fugir dos meus admiradores."

Eu amo os adjetivos usados por ele. Em todas as crônicas. Dentre os meus favoritos no trecho acima: cínica, esplêndida, radiante e patusca, é claro.

sábado, 14 de julho de 2012

Clarice


Trecho final de "Adeus, vou-me embora!" de 20 de abril de 1968:

"O contato com o outro ser através da palavra escrita é uma glória. Se me fosse tirada a palavra pela qual tanto luto, eu teria que dançar ou pintar. Alguma forma de comunicação com o mundo eu daria um jeito de ter. E escrever é um divinizador do ser humano.

Como? Mas como é que eu escrevi nove livros e em nenhum deles eu vos disse: Eu vos amo? Eu amo quem tem paciência de esperar por mim e pela minha voz que sai através da palavra escrita. Sinto-me de repente tão responsável. Porque se sempre eu soube usar a palavra - embora às vezes gaguejando - então sou uma criminosa se não disser, mesmo de um modo sem jeito, o que quereis ouvir de mim. O que será que querem ouvir de mim? Tenho o instrumento na mão e não sei tocá-lo, eis a questão. Que nunca será resolvida. Por falta de coragem? Devo por contenção ao meu amor, devo fingir que não sinto o que sinto: amor pelos outros?

Para salvar esta madrugada de lua cheia eu vos digo: eu vos amo.

Não dou pão a ninguém, só sei dar umas palavras. E dói ser tão pobre. Estava no meio da noite sentada na sala de minha casa, fui ao terraço e vi a lua cheia - sou muito mais lunar que solar. E uma solidão tão maior que o ser humano pode suportar, esta solidão me toma se eu não escrever: eu vos amo. Como explicar que me sinto mãe do mundo? Mas dizer "eu vos amo" é quase mais do que posso suportar! Dói. Dói muito ter um amor impotente. Continuo porém a esperar."

Todo mundo tem que ler "A descoberta do mundo". Sério.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sonhei que a neve fervia

A Fal é uma amiga. Uma amiga que conheci virtualmente há anos e que se tornou presente na vida. E nos encontramos, e vamos nos encontrar sempre e tudo mais. Ela agora é do elenco fixo da BK idiomas. Não é lindo? E leiam os livros da moça. Leiam. 


Um trecho:

"Tem horas que sim quer dizer não, que o tapete antiderrapante da cozinha escorrega, que o copo estava firme na sua mão, mas desliza e espatifa. Tem horas que o não quer dizer sim, que o salto prende no buraquinho da calçada (ao que tudo indica, eu me especializei em cair em caixas eletrônicos, craquelando mais e mais meu combalido joelho direito), que a gata branca não volta para casa nunca mais. E tem horas que o não quer dizer isso mesmo: não. Essas são as horas que mais doem."

Pois é.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Os sapatinhos vermelhos

Trecho do conto do Caio Fernando Abreu. Li no meu livro: "Caio 3D: o essencial da década de 1980":



"Afinal a afeição que nutro por você é um fato.

Teria mesmo chegado ao ponto de dizer nutro? Teria, teria sim, teria dito nutro & relacionamento & rompimento & afeto, teria dito também estima & consideração & mais alto apreço e toda essa merda educada que as pessoas costumam dizer para colorir a indiferença quando o coração ficou inteiramente gelado. Uma estalactite - estalactite ou estalagmite? merda, umas caíam de cima, outras subiam de baixo, mas que importa: aquela lança fininha de gelo afiado - cravada com extrema cordialidade no fundo do peito dela."

Essa descrição... essa descrição....

segunda-feira, 9 de julho de 2012

William Carlos Williams




Comecei a ler este poeta há pouco tempo... e tanta coisa legal venho descobrindo. Olhem:

Trecho I de "Calypsos"

"Well God is
love
so love me


God 
is love so
love me God


is
love so love
me well"

sábado, 7 de julho de 2012

Leminski


Já falei dele umas 343439089 vezes aqui no blog, no facebook e na vida. Talvez seja o poeta que mais gosto em língua portuguesa. Acho que é. Li tudo, amo tudo. E sempre descubro algo incrível e que me surpreende. Mesmo depois de ter lido a mesma coisa tantas vezes.


"leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo,
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura."

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos


Último trecho de "Apostila":


"Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisas,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O regato casual das chuvas que vão acabando,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,

O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino."

Que coisa linda.

Ficções do interlúdio/4 - Poesias de Álvaro de Campos.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Otto Lara Rezende


Comprei as crônicas do Otto Lara Rezende - Bom dia para nascer - no começo do ano e ainda não li tudo. Muita leitura desde então até agora. Olha... se eu contasse tudo que leio eu ia ser inteditada. Sério. Mas... que coisa linda é você ver como este povo escrevia. Que coisa linda. 

Início de "As bodas e o bode" de 12 de março de 1992. 

"Como se diz hoje em dia, são dois casais emblemáticos. Ou eram. Todo cuidado é pouco com o tempo do verbo, quando se trata de casal. Agora é, daqui a pouco já era. O que não impede que na separação floresça uma aliança de boa amizade. Ex-marido e ex-mulher vivem então em perfeita harmonia. Não apenas entre artistas, pessoas excêntricas. Ou gente famosa, colunáveis que são notícia e nunca saberemos por quê. Nem nós nem eles.

Casal era antes sinal de harmonia, pelo menos no dicionário. Tempestuosa era a separação, sobretudo se o matrimônio se confundia com o patrimônio. Havia também, e ainda há, o casal unido por um recíproco rancor. É um sentimento humano entre humanos. E muito forte. A proximidade cria essa espécie de ferrugem das almas. Ou dos corações. Amor e ódio podem ser irmãos siameses e vivem sob o mesmo teto. Hoje, o emblema do mundo é a instabilidade."

Escreveu com períodos curtos? Me apaixono imediatamente.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Voltei

Whitman está aqui ao meu lado o tempo todo e foi a inspiração inicial para o nome deste blog. Acho que com ele, tenho que voltar. Volto também pela Fal que no sábado ministrou o curso mais lindo na minha empresa. Ela me fez ter vontade de voltar para cá também, sem dúvida.

Tanta coisa pra mostrar porque tantos livros aconteceram de dezembro até aqui. Vamos aos poucos, mas sempre.

E Whitman disse o seguinte:

"Escuta, não dou lições nem esmolas,
Quando me dou, é por inteiro.

E você, impotente, de pernas bambas, tire o lenço da boca pra que eu sopre em você um pouco de brio,
Abra a mão e levante a aba dos bolsos,
Você não tem como me recusar... eu intimo... tenho reservas de sobra pra gastar,
E dou todas pra você."

Ele era gentileza e liberdade. Pra mim, coisas essenciais.

Fiquem aqui comigo.