sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Toni Morrison

Toni, a maravilhosa que ganhou o Nobel de literatura. Da mesma categoria do Nick Hornby - escreve qualquer coisa, a gente tem que ler. Parece que lança livro novo neste ano.

E um trechinho do último livro "Home":

"Cee remembered the relief and the pride they all took in having their own garden and their own laying hens. The Moneys had enough of it to feel at home in this place where neighbors could finally offer friendship instead of pity."




Obs - um dos textos mais lindos que eu li abre este livro. Está aqui, para quem quiser: http://paginasdarelva.blogspot.com.br/2012/09/home.html

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O amor sem consolo

Primeira parte do poema:

Não quero me livrar de ti
Só não te perdoo porque não me dás a amargura absoluta
Não tens o poder de me extinguir com um gesto, um olhar
E a minha esperança e o meu desespero
Não estão fundados em ti.
Antes de eu te conhecer Deus já me havia marcado
Não és meu punhal nem meu bálsamo
Não sou mais que um rejeitado de Deus, de ti - e de mim.
Talvez eu ame em ti o que tens parecido comigo.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Nick Hornby



Nick entra na categoria que é: "autor vivo que eu leio qualquer coisa que escreve - de bula de remédio até lista de supermercado."

Este livro é uma compilação dos artigos (10 anos) que ele escreve na revista "The Believer". O nome da coluna é "Stuff I've been reading":

E aqui duas colocações nas quais eu me encaixo perfeitamente:

1) Poetry books work more like books of reference: They go up on the shelves straight away (as opposed to onto the bedside table), to be taken down and dipped into every now and again. (And, before any outraged poets explode, I'd like to point out that I'm one of the seventy-three people in the world who buys poetry).

Minha obs: Então precisamos achar as outras 71 pessoas. Uma é ele, outra sou eu.

2) I don't reread books very often; I'm too conscious of both my ignorance and my mortality.

Minha obs: Eu também. Super consciente. E angustiada.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Mais "Judas"

Guershom Wald inclinou-se um pouco para frente e disse:

"Em todas as línguas que conheço, e também nas línguas que não conheço, o nome de Judas passou a ser sinônimo de traidor. E talvez sinônimo de judeu. Para milhões de cristãos simples, todo e qualquer judeu está contaminado com o vírus da traição. Uma vez, quando eu ainda era estudante em Vilna, há cinquenta anos, num vagão de segunda classe de um trem a caminho de Varsóvia, sentaram-se à minha frente duas freiras, em seus hábitos pretos e capuzes brancos e brilhantes. Uma era idosa e de feições severas, amplos quadris e uma barriga pontuda de homem, enquanto sua colega, ao contrário, era uma jovem doce de rosto delicado, e seus olhos grandes e muito abertos me lançavam um olhar azul-claro, um olhar cristalino, um olhar que era só inocência e comiseração e pureza. Essa jovem freira parecia um quadro da Madona numa igreja rural, uma Madona que ainda era mais mocinha que mulher. Quando tirei do bolso um jornal em hebraico, o abri e comecei a ler, a freira mais velha me disse num polonês festivo e com um tom de surpresa e decepção:  Mas como isso, o senhor está lendo um jornal judaico? Imediatamente lhe respondi e disse que era de fato judeu e que em breve deixaria a Polônia e iria viajar para morar em Jerusalém. Sua coleguinha olhou para mim com seus olhos puros, que de repente tinham se enchido de lágrimas, e começou a me repreender com brandura, com voz de sinos: Mas ele era tão, tão doce, como vocês puderam fazer isso com ele? Eu, de minha parte, me contive com dificuldade, para não lhe responder que no dia e na hora em que se deu a crucificação eu por acaso tinha hora marcada no dentista."


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Mais cartas

Eu já amava o Paul Auster por todos os livros de ficção, pelos autobiográficos, e agora ainda mais pelas cartas trocadas com o Coetzee.

Numa delas, de 23 de outubro de 2009, eles discutem o porquê da arte ter um papel menor do que tinha no final dos anos 1970 e 1980. Trecho do Paul:

"Something is gone now that used to be there. I don't know if artists themselves are to be blamed for this loss. There are probably too many factors involved to blame anyone in particular. One thing is certain, however: stupidity has increased on all fronts. If one reads the letters of soldiers from the American Civil War, many of them turn out to be more literate, more articulate, more sensitive to the nuances of language than the writing of most English professors today. Bad schools? Bad governments that allow bad schools to exist? Or simply too many distractions, too many neon lights, too many computer screens, too much noise?

My only consolation is that art forges on, in spite of everything. It is an unquenchable human need, and even in these grim times, there are countless numbers of good writers and artists, even great writers and artists, and even in the audience for their work has grown smaller, there are still enough people who care about art and literature to make the pursuit worthwhile."



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A máquina de fazer espanhóis

Já leram este livro? Já leram Valter Hugo Mãe. É pra ler agora.

Trecho da página 93

"para mim era uma vergonha estar com aquelas considerações. os meus poemas, perdidos em papéis que o tempo reciclou, eram destituídos de capacidades, eram só como desejos intensos e iludidos de ser algo a que não chegavam. não havia nada a fazer. e arreliava-me que me pudessem catalogar assim, por esse lado sensível, como se pusessem mais delicado, mais fraco, amanteigar os portugueses, que imagem cretina. porra, não tenho pela poesia mais do que um respeito devido, protestava eu, não quer dizer que seja poeta ou que o tenha querido ser. fui barbeiro, e li livros, como deviam ler todas as pessoas para ultrapassarem a condição pequenina do quotidiano e das rotinas." 


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Nada a temer

Recomendo sempre, sempre Julian Barnes ("O sentido de um fim" - um dos melhores livros dos últimos tempos). Aqui, um trecho de "Nada a temer"

"Eu poderia sair de casa mais cedo, morar no estrangeiro, ter filhos, não escrever livros, plantar bétulas, entrar para uma comunidade utópica, dormir com todas as pessoas erradas (ou, pelo menos, com pessoas erradas diferentes), tornar-me viciado em drogas, encontrar Deus, não fazer nada. Eu poderia descobrir formas inteiramente novas de me decepcionar.

Minha mãe me contou que vovô um dia disse a ela que a pior emoção da vida era o remorso. A que ele poderia estar se referindo?, perguntei-lhe. Ela disse que não fazia ideia, uma vez que seu pai tinha sido um homem da maior probidade (nenhum pufe perfurado, neste caso). E, portanto, esta observação - atípica do meu avô - paira no tempo sem resposta. Sinto muito pouco remorso, embora ele possa estar a caminho, e, enquanto isso, contento-me com seus amigos mais chegados: arrependimento, culpa, fracasso. Mas sinto uma curiosidade crescente pelas vidas não vividas, agora impossíveis de viver, e talvez o remorso esteja atualmente escondido em suas sombras."


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

De Caio para Guilherme de Almeida Prado

Estávamos falando deste livro lá no face. Aí resolvi ser a monotemática de sempre e colocar mais um trecho aqui. Escrito em 12 de abril de 1994.



"Devo estar chatíssimo, mais 'blasé' do que nunca, com todo esse texto parecendo discurso do Partido Verde... Et voilá: sou também um pouco tolo, um pouco naive, um pouco pêra - e eternamente Bambi. Quando a barra pesa, compro flores e ouço Mozart. Não creio que isso seja gostar de uma 'baixaria bem brega'. Além disso, essa linguagem rasteira absolutamente não combina com você - um von Almeida Prado!

Sinto que o Brasil tenha ficado 'ainda mais medonho' sem mim. Em compensação, a França parece ter ficado ainda mais encantadora comigo. Os livros caminham lindamente, críticas ótimas nos jornais e revistas mais importantes, rádio, TV. Ontem - foi hilário - dei autógrafo na rua, em Saint-Germain de Prés, para um garoto - estranhamente chamado Damour - que viu um dos programas de TV, comprou os três livros, deu vários de presente. Cheguei na editora rindo: meu Deus, a Laika de São Paulo a negra sem ter onde morar, vivendo com 500 dólares por mês, lavando roupa num balde sob o chuveiro, fazendo a feira toda sexta - dando autógrafo em Saint-Germain!"



domingo, 1 de fevereiro de 2015

Herberto Helder - Ou o poema contínuo

Parte I de "O Poema".

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silêncio
- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra a carne e o tempo."