"Em todas as línguas que conheço, e também nas línguas que não conheço, o nome de Judas passou a ser sinônimo de traidor. E talvez sinônimo de judeu. Para milhões de cristãos simples, todo e qualquer judeu está contaminado com o vírus da traição. Uma vez, quando eu ainda era estudante em Vilna, há cinquenta anos, num vagão de segunda classe de um trem a caminho de Varsóvia, sentaram-se à minha frente duas freiras, em seus hábitos pretos e capuzes brancos e brilhantes. Uma era idosa e de feições severas, amplos quadris e uma barriga pontuda de homem, enquanto sua colega, ao contrário, era uma jovem doce de rosto delicado, e seus olhos grandes e muito abertos me lançavam um olhar azul-claro, um olhar cristalino, um olhar que era só inocência e comiseração e pureza. Essa jovem freira parecia um quadro da Madona numa igreja rural, uma Madona que ainda era mais mocinha que mulher. Quando tirei do bolso um jornal em hebraico, o abri e comecei a ler, a freira mais velha me disse num polonês festivo e com um tom de surpresa e decepção: Mas como isso, o senhor está lendo um jornal judaico? Imediatamente lhe respondi e disse que era de fato judeu e que em breve deixaria a Polônia e iria viajar para morar em Jerusalém. Sua coleguinha olhou para mim com seus olhos puros, que de repente tinham se enchido de lágrimas, e começou a me repreender com brandura, com voz de sinos: Mas ele era tão, tão doce, como vocês puderam fazer isso com ele? Eu, de minha parte, me contive com dificuldade, para não lhe responder que no dia e na hora em que se deu a crucificação eu por acaso tinha hora marcada no dentista."
Um comentário:
ai que maravilha.
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