domingo, 31 de agosto de 2014

Bienal e o óbvio ululante

Antes de falar deste livro, falo da Bienal que está acabando hoje. Estive lá com a Fal falando sobre blogs. Blogs são literatura, blogs são o que você quiser, mas acima de tudo, blogs são diversão, como diz o Bruno Rodrigues, que acaba de lançar seu livro. Eu não sou escritora (não sou, nem serei) - como já resumi com o Adriano - eu só coloco aqui o que acho bacana. E cada um faz o seu da maneira que quiser. E que traga muito prazer aos leitores. E as redes sociais? Bom...algumas passam, nós passamos, e virão coisas diferentes. Os blogs ficam aqui. Quando a gente vai parar de ler e nos divertirmos? Como diz o Caio - nunca de núncaras. Amém.

Ontem falamos de Nelson Rodrigues. Volto com ele. Sempre.



Trecho de uma crônica publicada em 28 de maio de 1968. No "O Globo":

"Eis o que eu queria dizer:  - considero Opinião um nome impróprio e, repito, um nome alienado. Com as técnicas modernas de promoção, o homem cada vez pensa menos. É o jornal, é o rádio, é a televisão, é o anúncio, é o partido que pensa por nós. Nós 'achamos' o que os outros 'acham'. A minha 'opinião' deixou de ser um ato pessoal, uma posição solitária, um gesto de orgulho e desafio. Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos."

Boa semana, amigos.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Seja feliz

Ah, Vinicius... quanta coisa boa.. Este trecho curtinho é tão delicado que não resisti e coloco aqui.


De Vinicius com Baden Powell.

SEJA FELIZ

Foi, fico como todo amor se vai
Sem nem dizer aonde vai
Foi e eu fiquei sem ninguém
À espera do que não vem
Que melancolia

Foi, só porque eu nada fiz
Como um adeus que nem se deu
Pois seja muito feliz
Infeliz já sou eu
Pra sofrer sofro eu









terça-feira, 26 de agosto de 2014

Viva Leminski!

É o meu poeta de sempre, aquele a quem eu recorro quase todos os dias: Leminski. 70 anos ele faria.



Este trecho é de uma carta escrita ao amigo Régis Bonvicino, em outubro de 1977, deste livro acima (que está esgotado, mas ainda há alguns na Estante Virtual, de nada).

"esculhambe-se vire-se altere dê alteração
considere a possibilidade de ir pro Japão
rejeite o projeto de felicidade
q a sociedade te propõe

eu sei
você é paulista
mas ser paulista não é tudo

rompa

fique mais irregular

seja mais inconveniente

é a linguagem que está a serviço da vida
não é a vida que está a serviço da linguagem

a linguagem vem
sai na urina
acontece

fazer poemas não é a coisa mais importante
mas para quem faz é
e tem que ser assim

o signo é nosso destino
nossa desgraça e nossa glória

uma aranha sempre sabe
que depois desta teia
virá outra teia e outra teia e outra

uma aranha não duvida

v. vê
não há pressa: mallarmé deixou meiadúzia de coisas
augusto idem
não se importe com a frequência/ a fecundidade/ a abundância
uma década pode esperar um bom poema".











sábado, 23 de agosto de 2014

No teu deserto

Este blog está virando, praticamente, um blog de literatura portuguesa. Acho lindo. 



Eu li este livro no ano passado. É um livro curto e maravilhoso. E acredito que cada um de nós tem uma história parecida pra contar (é só trocar o deserto por outro local). Leiam e entendam o porquê disso. Aliás, é só aproveitar a Bienal do Livro e ir lá comprar. Miguel Sousa Tavares é filho de Sophia. Essa mesmo. 

Vejam que coisa:

Depois disso, voltei onze vezes ao Sahara. Nunca como contigo, nunca tão fundo, tão longe, tão perdidamente. Mas voltei, porque o deserto tornou-se quase um vício e a minha íntima religião, o único divino a que prestava contas e onde me reencontrava. E, de cada vez que voltei, pensei em ti e pensei como seria bom, incrivelmente bom, voltar contigo. Nessas alturas, como nas outras, eu repetia a mim mesmo: "Não há regresso. Há viagens sem regresso nem repetição". 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Gracinhas

Eu amo as histórias do Manual Prático de bons modos em livrarias. Amo. Por favor comprem e divirtam-se. Aqui eu coloco duas pra gente rir (ou chorar) um pouco.





1
Freguesa: Mocinho, por favor, você pode me mostrar onde ficam os livros sobre Shoyu?
(Livreiro, prontamente, leva a cliente até a estante de gastronomia e mostra alguns livros de culinária.)
Freguesa (inconformada): Não. não. Não são esses!
(Pensativo, livreira mostra títulos sobre molhos, comida oriental e NADA.)
Freguesa: (no alto da sua indignação e falando cada vez mais alto): SHOYU, MEU FILHO, SHOYU!
(Sem ter a quem recorrer, livreiro olha desoladamente para os lados, sem um resquício de esperança.).
Freguesa 2: OSHO! O que ela quer são livros do OSHO!

2
Freguês: Oi, eu queria o livro Sartre no Lago.
Livreiro: Desculpe, mas qual é o nome do livro?
Freguês: Sartre no Lago.
(Livreiro pega uma peça ali, outra aqui e monta o quebra-cabeça.)
Livreiro: Não seria o Kafka à Beira Mar?
Freguês: Isso! Quase igual, né?

domingo, 17 de agosto de 2014

A desumanização

Sem dúvida, uma das melhores coisas que li na minha vida. Principalmente nos últimos tempos.


Nas páginas 41 e 42:

"Sobre a beleza o meu pai também explicava: só existe a beleza que se diz. Só existe a beleza se existir interlocutor. A beleza da lagoa é sempre alguém. Porque a beleza da lagoa só acontece porque a posso partilhar. Se não houver ninguém, nem a necessidade de encontrar a beleza existe nem a lagoa será bela. A beleza é sempre alguém, no sentido em que ela se concretiza apenas pela expectativa da reunião com o outro. Ele afirmava: o nome da lagoa é Halla, é Sigridur. Ainda que as palavras sejam débeis. As palavras são objetos magros incapazes de conter o mundo. Usamo-las por pura ilusão. Deixámo-nos iludir assim para não perecermos de imediato conscientes da impossibilidade de comunicar e, por isso, a impossibilidade da beleza. Todas as lagoas do mundo dependem de sermos ao menos dois. Para que um veja e o outro ouça. Sem um diálogo não há beleza e não há lagoa. A esperança na humanidade, talvez por ingénua convicção, está na crença de que o indivíduo a quem se pede que ouça o faça por confiança. É o que todos almejamos. Que acreditem em nós. Dizermos algo que se toma como verdadeiro porque o dizemos simplesmente."

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Prece


Sophia de Mello Breyner Andresen. Sempre Sophia.

"Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas."


domingo, 10 de agosto de 2014

Poema em linha reta


Eu não lembrava desse poema. A Fal me lembrou dele, eu fui buscar no meu "Ficções do Interlúdio/4" e lá estava. Um resuminho do que você vai ler (praticamente uma explicação para as redes sociais):  todo mundo é esperto e lindo. Menos você. 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita.
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas a infâmia;
Que contassem, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos, nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Não deixa fugir a vida.

Acho que este é um dos meus livros de poesia favoritos. De autor vivo com certeza é. Por que todo mundo morre?


E Alice Ruiz:

"contar uma história de amor
por o fim pelo meio
um começo que não veio
nenhuma rima com or

cantar como quem resiste
resistir como quem deseja
meu versejar seja
o riso que te visite
a brisa que te festeja

não
tristeza não
essa é quando
a alma veste luto
e já não luta

peleja sim
coração
em busca da beleza

corre anda rasteja
só não deixa fugir
a vida que te beija"

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Herberto Helder

A descoberta de novos poetas é algo incrível. Vi um amigo no face falando de Herberto Helder e fui atrás. Que coisa linda, que coisa linda... e este livro vem com um CD - é o próprio autor recitando 5 poemas. No início: "Tudo quanto nesse livro possa parecer acidental é de facto intencional." É a vida, poeta.


Se um dia destes parar não sei se não morro logo,
disse Emília David, padeira,
não sei se fazer um poema não é fazer um pão
um pão que se tire do forno e se coma quente ainda por entre as linhas,
um dia destes vejo que não vou parar nunca,
as mãos súbito cheias:
o mundo é só fogo e pão cozido,
e o fogo é o que dá ao mundo os fundamentos da forma,
pão comprido nas terras de França,
pão curto agora nestes reinos salgados,
se parar não sei se não caio logo ali redonda no chão frio
como se caísse fundo em mim mesma,
a mão dentro do pão para comê-lo
- disse ela.

Boa semana, meus amigos.



sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Nelson Rodrigues

Dica: leia uma crônica do Nelson Rodrigues por dia. Leia. Eu leio há tempos. Comece por esta coletânea.



Aqui um trecho de: "O brasileiro, esse imperialista" publicada no dia 19 de dezembro de 1972 em "O Globo".

"1. O sujeito que bebe atravessa um estado alcoólico que não é ainda o pileque. Digamos que ele tenha tomado uns três uísques. Bem sei que há pessoas sem nenhuma resistência. Tenho um amigo que se embriaga até com o licor do bombom. Normalmente, porém, os três uísques não derrubam ninguém e repito: - é comum que, com três uísques, o sujeito adquira uma aura interessantíssima.

2. Certa vez, numa conversa de grã-finas, uma delas perguntou a outra: - "Você gosta do seu marido?" Resposta: - "Gosto, depois do terceiro uísque." E explicou que, sóbrio, castamente sóbrio, o marido tinha a aridez de três desertos. Precisava beber naquela exata medida. E, então, tornava-se mais interessante, mais denso, mais amoroso e lúcido. Em casa, quando o via bocejar de tédio cruel, a própria esposa preparava, uma por uma, as três doses. Se ele queria uma quarta, ela negava: - "Chegou!"

3. Por que é mesmo que eu estou dizendo isso? Já sei. Tenho um amigo que está exatamente nesse caso. Ou por outra: - esse amigo é o marido da grã-fina, ou seja, o tal que, sem os três uísques, não é nada, não é ninguém. E, ontem, ele bateu o telefone para mim. Começou: - "Preciso falar contigo." E eu: - "Quando?" Foi taxativo: - "Agora." Era meio-dia. Justamente, eu estava saindo para o almoço. Fez o apelo: - "Almoça comigo." Digo - "Está bem." Combinamos que seria no Nino. Uma hora.

4. Minha impontualidade é uma virtude: - chego antes. Às dez para uma, estava lá. Entro e vejo o Fulano na meso do Lolô Bernardes e do Aloísio Sales. Aproximo-me. Abraço Lolô e Aloísio. O Fulano já está de pé. Pede licença e me leva. Sinto a sua angústia. Finge naturalidade: - "Que papelão do Fluminense!" Paro, ressentido: - "Você me chamou para falar contra o Fluminense?"" 

5. Disse: - "Estou brincando." Ocupamos uma mesa dos fundos. Vem o garçom. Antes de escolher, digo: "Traz Lindóia." O garçom inclinou-se para o Fulano: - "O senhor toma alguma coisa?" Vacila: - "Lindóia também." Mas logo muda de opinião: - Traz uísque." Quando o outro sai, meu amigo segura o meu braço: - "A situação lá em casa não está boa." Pausa. Pergunto: - "Mas o que há?" Suspira: - "Minha mulher está me tratando como nunca me tratou.". Não entendo: - "Mau?" Geme: - "Bem."

E continua até o 13.