De Otto Lara Resende para Fernando Sabino. Trecho de carta escrita em Bruxelas, 30 de julho de 1959.
"Deve ter uma explicação, ou pelo menos uma ficha catalogada, para o meu caso. Freud explica isso. Vejo meu nome impresso, me dá um aborrecimento de morte, uma contrariedade sincera, profunda e estapafúrdia, parece acusação pública, prestação de contas, julgamento. Por isso resumi meu nome de Otto Oliveira de Lara Resende para Otto Lara Resende, agora para Otto Lara e já estou me assinando O. Lara, amanhã começo a assinar O., depois engulo esse O. com pontinho, como numa dessas mágicas de circo, sumi, desapareci, me escondi no primeiro buraquinho do rodapé, vou morar no ninho de uma ratazana matronal, espicho a cara num perfil de camundongo, ai como deve ser bom ser camundongo de rabinho não muito comprido, chiando debaixo do assoalho, até que vem o Gatão e zás! Me devora, viro quimo e quilo ventral, saio cocô no cuzinho do gato, vou estrumar uma plantinha tenra, quem sabe perfumarei uma flor silvestre - é toda a glória que posso pedir, eu o inútil, o imprestável, o secreto, o envergonhado de ser, e assim entro no ciclo universal da vida, me transformo, me metamorfoseio mas não no ambicioso besouro de Kafka sim no limpo cocozinho de um preguiçoso gato de pensão (Manuel Bandeira). Não é preciso explicar meu estado de espírito, você já entendeu tudo."