domingo, 25 de fevereiro de 2018

A gente volta sempre



Li esta coletânea fofíssima ontem. Não é tudo engraçado não. É sensível, é bonito.

De Bruna Beber, "Romance em doze linhas":

quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente pra gente se ver pra sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingir que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e não lembrar que um dia se conheceu.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Hilda Hilst

Tenho pedido a todos que descansem
De tudo o que cansa e mortifica:
O amor, a fome, o átomo, o câncer.
Tudo vem a tempo no seu tempo.
Tenho pedido às crianças mais sossego
Menos riso e muita compreensão para o brinquedo.
O navio não é trem, o gato não é guizo.

Quero sentar-me e ler nesta noite calada.
A primeira vez que li Franz Kafka
Eu era uma menina. (A família chorava.)
Quero sentar-me e ler mas o amigo me diz:
O mundo não comporta tanta gente infeliz.

Ah, como cansa querer ser marginal
Todos os dias.
Descansem, anjos meus. Tudo vem a tempo
No seu tempo. Também é bom ser simples.

É bom ter nada. Dormir sem desejar
Não ser poeta. Ser mãe. Se não puder ser pai.

Tenho pedido a todos que descansem
De tudo o que cansa e mortifica.
Mas o homem
Não cansa.

domingo, 10 de setembro de 2017

Yehuda Amichai

Um pouco de poesia. Sempre.



What kind of man?

"What kind of man are you?" people ask me.
I am a man with a complex network of pipes in my soul,
sophisticated machineries of emotion
and a precisely-monitored memory system
of the late twentieth century,
but with an old body from ancient days
and a God more obsolete even than my body.

I am a man for the surface of the earth.
Deep places, pits and holes in the ground
make me nervous. Tall buildings
and mountaintops terrify me.

I am not like a piercing fork
nor a cutting knife nor a scooping spoon
nor a flat, wily spatula that sneaks in from underneath.
At most I'm a heavy and clumsy pestle
that mashes good and evil together
for the sake of a little flavor,
a little fragrance.

Guideposts don't tell me where to go.
I conduct my business quietly, diligently,
as if carrying out a long will that began to be written
the moment I was born.

Now I am standing on the sidewalk,
weary, leaning on a parking meter.
I can stand here for free, my own man.

I'm not a car, I'm a human being,
a man-god, a god-man
whose days are numbered. Hallelujah.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Andrew Solomon - The Stone Boat

Se este homem escrever livro de física quântica ou gastronomia ou anime, eu leio. Brilhante. 

"It is not the case that all happy families are the same. I often think that there are no new sad stories; the ways in which my life has been sad are so much like the ways in which the lives of those I know and love have been sad. Perhaps that is just as well: on the analyst's couch or in the muted discourses of friendship, I learn that it is sadness that binds humanity, that the sadness I claim has been claimed, in some version or another, by everyone on earth."

The Stone Boat


quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Valter

Trecho do conto: "O rapaz que habitava os livros". 

Fui ver a minha nova estante logo pela manhã.

Era um bocado de espaço arranjado entre tralhas meio esquecidas. Fiquei ofendido. Os livros não esquecem nada. Eles são para sempre a mesma memória admirável. Esquecer livros é uma agressão à sua própria natureza. Embora, na verdade, eles nem se devam importar, porque podem esperar eternamente.

Alguém colocara uma pequena placa dizendo: não alimente os animais. Fiquei sem saber se queriam dizer que os livros eram bichos comendo as nossas ideias ou se seria eu um devorador de páginas, alimentado de palavras como as histórias. As histórias podem comer muitas palavras.

Pensei: os meus queridos livros. Era o que pensava e sentia: os meus queridos livros. Olhava-os como se estivessem vivos e pudessem sofrer. Como se pudessem também entristecer.

Gostei de colocar a hipótese de os livros serem como bichos. Isso faz deles o que sempre suspeitei: os livros são objectos cardíacos. Pulsam, mudam, têm intenções, prestam atenção. Lidos profundamente, eles são incrivelmente vivos. Escolhem leitores e entregam mais a uns do que a outros. Têm uma preferência. São inteligentes e reconhecem a inteligência.



quinta-feira, 3 de agosto de 2017

9 anos

Continuamos por aqui. Às vezes com mais frequência, às vezes com menos. Mas seguimos.