terça-feira, 21 de outubro de 2014

Um pouco de Nelson

Trecho inicial do texto "Muerte na passeata" publicado em "O Globo" em 11 de abril de 1968. 

"Um tigre é sempre um tigre. Pode vir o mundo abaixo. Ele tem um elenco de instintos e daí não sai. Há de ser tigre do berço ao túmulo. Do mesmo modo, a cabra é uma cabra para sempre. E assim o bode de charrete, com sua barbicha flamenga e os chifres em caracóis. Só o homem pode deixar de ser homem, e repito: só o homem pode se desumanizar.

Coincide que nós vivemos uma época crudelíssima. Para preservar a sua humanidade, o sujeito tem de lutar, ferozmente, contra tudo e contra todos. E das duas uma - ou cada um constrói a sua solidão ou os outros o matam. (Alguém disse que os 'outros' são os nossos assassinos).  Vêm de toda parte as pressões que nos desumanizam. Há a manchete, o rádio, a televisão, o anúncio e, em suma, todo uma gigantesca estrutura que exige a nossa falsificação.

Falsificação. Finalmente, explodiu a palavra. Tudo falsifica: o pai, o estudante, o operário, o intelectual, o namorado, o sacerdote. Há o Vietnã, há o assassinato de Luther King, há a China. E cada fato exige de nós uma posição fulminante um gesto, uma frase, um sentimento, um palavrão. Os temperamentos mais doces são hoje radicais, ululantes e obscenos.

E, então, acontece o seguinte: estamos todos acuados."


3 comentários:

Elaine Cuencas disse...

Olha... esse Nelson precisa ser redescoberto! Não dá mais para viver sem Nelson Rodrigues... não dá, simplesmente não dá!

Elaine Cuencas disse...

Olha... esse Nelson precisa ser redescoberto! Não dá mais para viver sem Nelson Rodrigues... não dá, simplesmente não dá!

Andréa disse...

Também acho, meu bem, também acho. Quem já descobriu (há séculos como nós): lindo, quem ainda não: compre djá.