Trecho inicial de crônica de 14 de setembro de 1971 publicada em "O Globo".
1 - Não sei se repararam (e a gente não repara nas evidências mais ululantes). Mas ninguém ouve ninguém. Imaginemos a conversa de dois amigos. O que um diz entra por um ouvido e sai por outro. Dirão que exagero. Nem tanto, nem tanto. O que nós chamamos de diálogos é, na maioria dos casos, um monólogo, cuja resposta é outro monólogo.
2 - Por isso, a nossa vida é a busca desesperada de um ouvinte. Hoje, poucos sacerdotes nos concedem a graça de uma confissão. E um padre de passeata dizia-me enojado: - "Como é chata a confissão!" Pausa e completa: - "Que bobagem é a confissão!" Mas eis o que eu queria dizer: - o confessor fascinava por isso mesmo, porque era um ouvinte.
3 - Outro exemplo: - o psicanalista. É um dos grandes homens do nosso tempo. Não damos um passo, na rua, sem esbarrar, sem tropeçar num sujeito que está na hora da análise. E todo mundo paga um milhão e quinhentos, dois milhões por mês. Milhares e milhares de famílias brasileiras vivem com muito menos. Mas o analista é um ouvinte, e pagamos o ouvinte.
4 - Há dias encontrei um amigo. Não o via há muito tempo. Fiz-lhe uma festa imensa e não retribuída. Ele que, em outros tempos, era um extrovertido ululante, quase não falava. Aos pouquinho, porém, contou-me que fazia análise. Perguntei-lhe: - "Tens melhorado?" Resposta: - "Piorado." Julguei ter ouvido mal: - "Melhorado?" E o outro - "Piorado." E, então, numa curiosidade aguda, quis saber há quanto tempo fazia análise. Disse: - "Três anos." A alma caiu-me aos pés: - "Três anos e não melhoraste?"
5 - Ele então disse tudo, não ia ao analista para melhorar ou piorar. O que ele queria era um ouvinte. Durante 45 minutos por vez, um semelhante o escutava. O que meu amigo pagava não era o tratamento, mas o ouvinte.