quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Um pouco de Nelson Rodrigues

Trecho de crônica publicada em O Globo - 9 de abril de 1968.

1 - O perfeito casal exige uma vítima. Tanto faz que seja o marido ou a mulher. Não importa. O que importa é que cada qual viva o seu papel. A vítima terá de comportar-se como vítima, sem discutir a própria função e o próprio destino. Por sua vez, o algoz há de ser eternamente "o algoz". Se os dois observarem essa coerência, a união chegará às bodas de prata, de ouro e continuará no Céu ou no Inferno, sei lá.

2 - De vez em quando, porém, há a catástrofe: a vítima se enfurece ou o algoz se regenera. Rompe-se o equilíbrio conjugal; e nada mais é possível. Não pode sobreviver a união de uma ex-vítima com um ex-algoz.

3 - Eis o que eu queria dizer: como o amor, a amizade também depende de uma vítima. Entre dois amigos há, fatalmente, o não-correspondido. Sim, há um que gosta mais do outro, e cujo sentimento é mais firme, harmonioso e profundo. Por exemplo, a minha amizade com Otto Lara Resende.

4 - Há sempre alguém que me pergunta: - "Você e o Otto são amigos?" Respondo, com risonho descaro: - "Amicíssimos." Ainda ontem, Clarice Lispector fez uma entrevista, comigo, para Manchete. E me dizia a grande artista: - Você, o Otto e o Hélio Pellegrino são muito amigos, não são?" Dei-lhe esta resposta límpida e exata: - "Se são, não sei. Eu sou."


2 comentários:

Elaine Cuencas disse...

Ai, seu Nelson... dramático e verdadeiro. É isso "Se são, não sei. Eu sou."

Fal disse...

HAHAHAHAH!! <3 é muito amor no coração.