segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Salve Rainha

A melancolia ameaça.
Queria ficar alegre
sem precisar escrever,
sem pensar
que labor de abelhas
e voo de borboletas
precisam desse registro.
Chorando seus casamentos
vejo mulheres que conheci na infância
como crianças felizes.
A vida é assim, Senhor?
Desabam mesmo
pele do rosto e sonhos?
Não é o que anuncio
- já vejo o fim destas linhas,
isto é um poema, tem ritmo,
obedece à ordem mais alta
e parece me ignorar.
Me acontecem maus sonhos:
a casa só tem uma porta,
casa-prisão,
paredes altas, cômodos estreitos.
Chamo pelo homem, ele já se foi,
quem se volta é um negro,
indiferente.
A criança que se perdera,
ou deixei perder-se de mim,
é um menino-lobo,
eu a encontro grunhindo,
com um casal velho de negros.
Por que os negros de novo?
Por que este sonho?
Gasto minhas horas em pedir socorro,
esgotando-me, monja extramuros,
em produzir espaços de silêncio
para encontrar Tua voz.
É medo meu apregoado amor,
uma fita gravada, meu contentamento.
O primeiro santo do Brasil
invocou para um pobre:
"Post-partum, Virgo Inviolata pemansisti.
Dei Genitrix intercede pro nobis."
Ó Virgem,
volte à minha alma a alegria,
também eu
estendo a mão a esta esmola.

2 comentários:

Elaine Cuencas disse...

O importante é registrar a leitura! Poema incrível de Adélia Prado...

"A vida é assim, Senhor?
Desabam mesmo
pele do rosto e sonhos"?

Sim e não...

A vida é sim e não!

Beijos, querida leitora!

Suelen disse...

Que lindo!