terça-feira, 29 de julho de 2014

Caio

Deste livro aqui:



Obsessiva número 5

Faz tanto tempo, já
e não, eu não esqueço.
Tomadas providências melancólicas
tipo beber muito
   ir ao cinema sem parar
   televisão bares festinhas
   drogas variadas
   cartas & telefonemas
   ou não. E nada.

Somados aos dos pés, dos dedos
das mãos não seriam suficientes
para contar os meses todos.
Tantos, deus, e tantas
mas tantas, tantas fiz
(como diria Ana Cristina, a bela)
e eu - mas o que seria esse eu depois de tudo?
e isso é outro papo - enfim:

eu não esqueço

aquele esboço de felicidade,
inesperados tropeços no real. E teu cheiro
de repente, outra vez, no meio de maio,
visuais rápidos na esquina,  no escuro
teu rosto transformado em outros.
Arsênico, cumulativa: a memória
dum quase possível me envenenando
insidiosa e lenta
como num romance inglês.

Até hoje - até quando?

Caio - maio de 1982.

A Ana Cristina César declamando o que o Caio fala está aqui: vejam que coisa linda. De nada.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Sempre "Grande Sertão"


Meu livro de sempre. Uma das minhas melhores memórias da faculdade.


"Mas minha mão, por si, pegou a mão de Diadorim, eu nem virei a cara, aquela mão é que merecia todo entendimento. Mão assim apartada de tudo, nela um suave de ser era que me pertencia, um calor, a coisa macia somente. São as palavras? Mas aí espiei para Diadorim, e ele despertou do que tinha se esquecido, deixado, de sua mão, que ele retirou da minha outra vez, quase num repelão de repugno. E ele estava sombrio, os olhos riscados, sombrio em sarro de velhas raivas, descabelado de vento. Demediu minha idéia: o ódio - é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente". 

Esta é a minha edição - página 316.

sábado, 26 de julho de 2014

Eu volto com Valter

Sempre o mesmo raciocínio: como assim alguém pode conseguir escrever deste jeito e descrever isso dessa maneira perfeita? Pergunto para mim mesma isso toda vez que leio certos autores. Nem vou falar de todos os livros do Valter Hugo Mãe. Minha dica: comecem por este - A máquina de fazer espanhóis (aqui, trecho das páginas 105 e 106). 

Valter e eu - 30 de abril de 2014. No café da Martins Fontes da Paulista


"é fácil de entender. quando queremos que o tempo nos faça fugir de alguma coisa, de um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes até as horas, e depois chegam as semanas triunfais e os largos meses e os didáticos anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o tempo também de outro modo. perdemos alguém, e temos de superar o primeiro inverno a sós, e a primeira primavera e depois o primeiro verão, e o primeiro outono. e dentro disso, é preciso que superemos os nossos aniversários, tudo quanto dá direito a parabéns a você, as datas da relação, o natal, a mudança dos anos, até a época dos morangos, o magusto, as chuvas de molha-tolos, o primeiro passo de um neto, o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um avião, as notícias sobre o Brasil, enfim, tudo. e também é preciso superar a primeira saída de carro a sós. o primeiro telefonema que não pode ser feito para aquela pessoa. a primeira viagem que fazemos sem a sua companhia. os lençóis que mudamos pela primeira vez. as janelas que abrimos. a sopa que preparamos para comermos sem mais ninguém. o telejornal que já não comentamos. um livro que se lê em absoluto silêncio. o tempo guarda cápsulas indestrutíveis porque, por mais dias que se sucedam, sempre chegamos a um ponto onde voltamos atrás, a um início qualquer, para fazer pela primeira vez alguma coisa que nos vai dilacerar impiedosamente porque nessa cápsula se injeta também a nitidez de quanto amávamos quem perdemos, a nitidez do seu rosto, que por vezes se perde mas ressurge sempre nessas alturas, até o timbre da sua voz, chamando o nosso nome ou, mais cruel ainda, dizendo que nos ama com um riso incrível pelo qual havíamos justificado em mil ocasiões no mundo".

Respeitando sempre as minúsculas do autor. Que coisa linda.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Vai voltar

Tô pensando na volta há meses. Acho que desde 2012, quando parei, já pensei em voltar umas 1000 vezes. Mas vejo tanto ódio a troco de nada aqui pela internet que lembro que até neste espaço tonto já tive comentários imbecis. E desisti. E voltei. E falei "ai que saco, não volto nunca mais". E pensei (pelo menos umas 451 vezes) "agora que eu tô lendo essa coisa linda eu vou lá no blog". E acho que volto pra cá sim, não sei se com a frequência de sempre (era um post a cada 2 ou 3 dias) mas volto. Sabem o porquê? Por causa da literatura. Por causa de tudo que leio e de tanta coisa linda que já foi, está sendo ou será escrita no mundo. E a minha pergunta de sempre volta: "nesta vida de porrada, o que a gente ia fazer sem a literatura?". Ia ser mais punk ainda. Ou quase insuportável. 

Aí eu penso no que eu escrevo nesta volta dos que não foram. Fui abrir uns livros e comecei a chorar. Assim concluo: tá na hora de voltar. Me aguentem.