segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Haikai

Novo livro da Alice Ruiz.


"aconchegados
entre a novela e o novelo
pontos sem nó"



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Ana Cristina César

Este é um dos meus livros mais lindos, sem dúvida. Fazia tempos que eu não falava dele aqui. Um trabalho maravilhoso.

E na página 35.


Por enquanto

Quando
então
sentada na cama de casal
lembro que nela te perdes de
beijos
estou sem ar
no ar mexo as mãos
olhos
força nos ombros no nariz;
a garganta solapa; via
estreita,
nossa conversa amena;
nossa amizade;
até o previsto e casto
adeus;
o tempo se poupa;
nos economiza;
o teu ouvido
mouco;
e o troco;
e enquanto isso,
fora,
o real constrói o poema,
imbatível.



terça-feira, 25 de agosto de 2015

Reflexão número 1

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
É a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.


sábado, 22 de agosto de 2015

Enchantagem



de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece verdade

o pau na vida
o vinagre
o vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda eternidade





quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Mais memória



"A memória não é apenas uma pedra com hieróglifos entalhados, uma história contada. Memória lembra dunas de areia, grãos que se movem, transferem-se de uma parte a outra, ganham formas diferentes, levadas pelo vento. Um fato hoje pode ser relido de outra forma amanhã. Memória é viva. Um detalhe de algo vivido pode ser lembrado anos depois, ganhar uma relevância que antes não tinha, e deixar em segundo plano aquilo que era então mais representativo. Pensamos hoje com a ajuda de uma parcela pequena do nosso passado."

Página 117.


terça-feira, 18 de agosto de 2015

Estrela Leminski

"se tem curiosidade em tudo que faço
persiga meus dados
siga meus passos
leia meus recados

se te incomoda o que já fiz
jogue fora as cartas mofadas
rasgue fotos do passado
vá cuidar do seu nariz

mas se depois disso tudo
ainda te parece uma ferida
preste atenção se não queria
que fosse tua a minha vida"


domingo, 16 de agosto de 2015

Ainda estou aqui



O livro tem quase 300 páginas, faltam umas 80 para eu acabar. Não quero. Que livro. Que livro. Eu comprei há uns 4 dias. Levo ele comigo desde então. E com uma água ao lado porque quase sempre eu preciso parar e tomar um pouco para ninguém me ver chorar.

Na página 26:

"A memória não é a capacidade de organizar e classificar recordações em arquivos. Não existem arquivos. A acumulação do passado sobre o passado prossegue até o nosso fim, memória sobre memória, através de memórias que se misturam deturpadas, bloqueadas, recorrentes ou escondidas, ou reprimidas, ou blindadas por um instinto de sobrevivência. Uma fogueira no alto ajudaria. Mas ela se apaga com o tempo. E não conseguimos navegar de volta para casa."

Update: acabei. Fazia tempo que um livro não me fazia chorar assim. De soluçar ao final, de ter que ir lavar o rosto. Sei lá mais o que dizer. Só lendo. 

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Curtinho da Alice Ruiz S

minha estrela guia
desvia
e me atropela


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Oliver Sacks




Eu fico fascinada por pessoas com mais de um talento - "como assim é médico e um puta escritor?" Eu não queria terminar este livro. Eu fiquei dias nas últimas 100 páginas. Leiam. Que homem... Dr. Sacks, fique aqui com a gente, por favor. E os últimos parágrafos:

"They called me Inky as a boy, and I still seem to get as ink stained as I did seventy years ago.

I started keeping journals when I was fourteen and at last count had nearly a thousand. They come in all shapes from little pocket ones which I carry around with me to enormous tomes. I always keep a notebook by my bedside, for dreams as well as nighttime thoughts, and I try to have one by the swimming pool or the lakeside or the seashore, swimming is very productive of thoughts which I must write, especially if they present themselves, as they sometimes do, in the form of whole sentences or paragraphs.

When writing my Leg book, I drew heavily on the detailed journals I had kept as a patient in 1974. Oaxaca Journal too, relied heavily on my handwritten notebooks. But for the most part, I rarely look at the journals I have kept for the greater part of a lifetime. The act of writing is itself enough; it serves to clarify my thoughts and feelings. The act of writing is an integral part of my mental life; ideas emerge; are shaped, in the act of writing.

My journals are not written for others nor do I usually look at them myself, but they are special, indispensable form of talking to myself.

The need to think on paper is not confined to notebooks. It spreads onto backs of envelopes, menus, whatever scraps of paper are at hand. And I often transcribe quotations I like, writing or typing them on pieces of brightly colored paper and pinning them to a bulleting board. When I lived in City Island, my office was full of quotations, bound together with binder rings that I would hang to curtain rods above my desk.

Correspondence is also a major part of life. On the whole I enjoy writing and receiving letters - it is an intercourse with other people, particular others - and I often find myself able to write letters when I cannot "write", whatever Writing (with a capital W) means. I keep all the letters I receive, as well as copies of my own.. Now, trying to reconstruct parts of my life - such as the very crucial, eventful time when I came to America in 1960 - I find these old letters a great treasure, a corrective to the deceits of memory and fantasy.

A vast amount of writing has gone into my clynical notes - and for many years. With a population of five hundred patients and Beth Abraham, three hundred residents at Little Sisters homes, and thousands of patients in and out of Bronx State Hospital, I wrote well over a thousand notes a year for many decades, and enjoyed this; my notes were lengthy and detailed, and they sometimes read, other said, like novels.

I am a storyteller, for better and for worse, I suspect that a feeling for stories for narrative is a universal human disposition going with our powers of language consciousness of self, and autobiographical memory.

The act of writing, when it goes well, gives me a pleasure, a joy, unlike any other. It takes me to another place - irrespective of my subject - where I am totally absorbed and oblivious to distracting thoughts, worries, preoccupations, or indeed the passage of time. In those rare, heavenly states of mind, I may write nonstop until I can no longer see the paper. Only then do I realize that evening has come and that I have been writing all day.

Over a lifetime, I have written millions of words, but the act of writing seems as fresh and as much fun, as when I started it, nearly seventy years ago".

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Millôr



Se

Se o mundo fosse de palha
Eu punha fogo no mar,
E se o mar fosse de beijos
Eu bebia até cansar,
Se a água fosse de ouro
Ninguém vivia no bar,
Se peixe crescesse em árvores
Seria fácil pescar,
Se pardal comesse abelha
Que estranho seria o ar,
Se os porcos fossem limpos
Que grande e belo luar,
Se barata desse leite
O leite ia baratear,
Se os homens ruminassem
Não viviam a se queixar,
Se as ruas caminhassem
Eu não saia do lugar,
Se 6 e 6 fossem 4
3 e 3 seriam um par
Se fossem lá todos juntos
Ninguém pegava lugar,
Se reflexo valesse
O céu era o fundo do mar,
E se os ratos fossem valentes
Os gatos iam se mancar.

17 de agosto de 1973.

domingo, 2 de agosto de 2015

Dama da Noite

Às vezes é assim como o Caio fala:

"Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante. Você tem um passe para a roda-gigante, uma senha, um código, sei lá. Você fala qualquer coisa tipo , por exemplo, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar junto com os outros. Mas eu fico sempre do lado de fora. Aqui parada, sem saber a palavra certa, sem conseguir adivinhar. Olhando de fora, a cara cheia, louca de vontade de estar lá, rodando junto com eles nessa roda idiota - tá me entendendo, garotão?"