Trecho de "Ser para sempre fiel e morrer, um dia, com o ser amado". O Globo - 2 de janeiro de 1968.
Chamava-se Meireles. Meireles ou Marcondes? Não, não. Era Meireles mesmo. Pois o Meireles tinha uma namorada em cada esquina, noivas e esposas por toda a cidades. Muitos já insinuavam o vaticínio: - "Qualquer dia dão-lhe um tiro!" E o Meireles foi, talvez, o primeiro sujeito que ouvi falar em "amor livre". Certa vez houve uma festa na vizinhança; era batizado ou aniversário, não me lembro mais.
E o Meireles (ou seria Marcondes?), o Meireles estava lá e tomou conta da festa. Cercado de mocinhas, de senhoras, contou a própria vida. Confirmou que tinha uma paixão, ou várias, em cada bairro. Alguém lhe perguntou se não tinha vergonha. Abriu o riso: "Vergonha teria de ser homem de uma mulher só!" Naquele tempo as mulheres usavam leque (o movimento lépido ou lento do leque era de uma delicada voluptuosidade). E as presentes abanavam-se com mais angústia.
(Depois se soube que o Meireles tinha não só namoradas, mas filhos por toda a cidade). No fundo, no fundo, a audiência estava fascinada com esse descaro monumental. Ao sair, ainda disse: - "Qualquer um pode gostar de quinhentas ao mesmo tempo." Eu estava no aniversário, comendo mãe-benta. O Meireles foi, talvez, o primeiro cínico que conheci da vida real.
Depois que o Meireles saiu, um vizinho, já senhor, de olho grande e triste, disse apenas: - "É um canalha!" Aí está um ponto de exclamação que realmente o velho não usou. Dissera "canalha" sem ira, um "canalha" que saiu apenas informativo. Quanto a mim, nos meus sete anos, exatamente sete anos, tive uma náusea adulta.
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