sábado, 27 de setembro de 2014

Cartas

Elaine, Fal e eu trocamos ideias sobre o porquê gostamos desses livros. Cartas entre autores queridos, jornalistas, artistas - que delícia que são. 

Tenho os meus favoritos: do Leminski ao amigo Régis Bonvicino, do Hemingway para a família, do Capote para tanta gente e mais outros lindos. 



Aqui, do Otto Lara Resende para Fernando Sabino, trecho final de uma carta de 20 de maio de 1958 (Otto em Bruxelas, o amigo aqui):

"Como vão os amigos? Estou devendo carta a muita gente, mas ando numa vida doida, dormindo pouco, me agitando como nunca, para baixo e para cima, cheio de probleminhas e gente dependurada em todos os galhos de minha alma. Literatura, esqueci. Parei tudo, estou distraído de mim e de Deus. Às vezes, penso com angústia em tudo isso, mas não vou puxá-la (a angústia) agora. Deixo para quando você vier, pois você vem, não vem?

Como foi o livro do Paulo? O canalha nem ao menos me mandou um exemplar. Recebeu uma carta minha, a milésima, pelo aniversário dele, não deu a menor bola. Procurei visitar-lhe a sogra em Londres, escrevi contando minuciosamente - nada! Idem quanto ao Millôr. A estes dois, não escrevo mais.

E o Castello? Respondi-lhe petulantemente, mas ele não deu mais sinal de vida. Acho que não deve ter gostado, ou então me gozou muito aí, com você. Mas não faz mal. Eu agora não ligo mais e nada e sou um homem destemido, isto é, nada temo, nada, nada! Libertação do medo!

Procurou o Mozart Valente? Nem isso você me diz. Bom, vou parar, senão me queixarei até o fim e são tantas as queixas! Depois dizem que tenho muitos e bons amigos. Uma ova!

Adeus, doutor. Continue me intrigando, mancomunado com o Pedro Gomes. Mas, por favor, não me atribua frases pejorativas para com São João Del Rei. Qualquer pessoa que me conhece sabe que eu sou incapaz de depreciar a minha nobre e leal São João del Rei, que não troco nem por todas as capitais do mundo. Lá ficou um menino que não existe em nenhuma metrópole do mundo. E esse menino sou eu. Respeite esse menino, respeite a cidade desse menino. Não mexa com o S. João.

Abraço sempre amigo do velho e caluniado,

Otto."


2 comentários:

Fal, a Mal disse...

Que coisa tão linda isso, a amizade, a doçura, os resmunguinhos, o registro e, especialmente, a lembrança. A sua, não a deles. <3 Bom domingo, frô.

Elaine Cuencas disse...

Essas cartas são incríveis. Sempre penso no tempo em que elas foram escritas. As pessoas especiais que as escreveram... dá aquela vontade boba de ter feito parte! Ainda bem que permitiram a publicação, não é?