Tudo de bom que já foi dito sobre Walt Whitman e sua obra "Folhas da Relva" eu concordo. Por isso o nome deste humilde bloguinho que fala sobre literatura é uma homenagem ao grande poeta que, como disse Borges: "toma e não diz a ninguém a infinita decisão de ser todos os homens e escrever um livro que seja todos".
domingo, 26 de julho de 2015
Cuecas
Giselda confidenciou a Martô, sua melhor amiga, que nada no noticiário recente a abalara mais do que a volta à moda da cueca samba-canção.
- Não sei se você entende - disse Giselda.
- Eu entendo - disse Martô.
- O Júlio só usa cueca samba-canção - disse Giselda.
- Eu sei - disse Martô.
- E isso me dava uma certa segurança. Entende?
Martô entendia. Era o fim da tarde. As duas tinham tirado os sapatos e estavam com os pés sobre a mesa do centro, na sala da Giselda. Jovens senhoras.
- Bobagem, claro - disse Giselda. - Mas, entende?
- Perfeitamente - disse Martô.
- Eram, assim, como um símbolo. As cuecas do Júlio. De estabilidade. De bom senso. Até de certa resignação diante da vida. Mas no bom sentido.
- Claro.
- Imagina se um dia ele me aparece de Zorba. De sunga. Colorida. Sinal de quê?
- Outra.
- Isso. Ou outras.
- Podes crer.
- Mas não. Ele insistia nas cuecas samba-canção. Até tinha horror a novas. Queria sempre as mesmas. Rasgadas, não importava. Você podia desconfiar de alguma coisa de um homem assim? Vou dizer uma coisa. Cueca é caráter.
- Quem vê cueca vê coração.
- Você acha que estou brincando?
- O que é isso? Eu estou concordando com você.
- Eu insistia pra ele trocar de cuecas. Mas no fundo, no fundo gostava que ele fosse assim. E agora isso...
- O quê?
- As cuecas samba-canção na moda de novo. Entende?
- Anrrã.
- Ele não vai mais ter vergonha de tirar as calças na frente de outra.
- Ou outras.
- Ou outras. Pode até dizer que não tem culpa. Não foi ele que mudou, foi a moda. Continua o mesmo homem sério e conservador. Não foi ele que resolveu sair para a vida, a vida é que veio atrás dele. Vou ter que ficar de olho. Agora sim. Olho vivo. Ou eu estou exagerando?
- Não, não.
Depois que Martô saiu, Giselda foi tratar do jantar das crianças e do Júlio. Só horas mais tarde, vendo o filme na TV com o Júlio roncando ao seu lado, repassando a conversa naquela tarde, é que se deu conta. Telefonou para a Martô.
- Martô?
- O que é, Gi?
- O que é que você quis dizer com "eu sei"?!
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2 comentários:
Duas palavrinhas e a crônica fica perfeita! "Eu sei"!
Craque.
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