domingo, 17 de janeiro de 2016

Veríssimo



Trinta anos

Encontraram-se, trinta anos depois, numa festa. Ela sorriu e disse: "Como vai?"
- Vocês já se conhecem? - perguntou a dona da casa.
Ele não disse: "Nos conhecemos. No sentido bíblico, inclusive. Foi o amor da minha vida. Quase me matei por ela. Sou capaz de morrer agora. Ah, vida, vida".
Disse:
- Já.
- Faz horas, né? - disse ela.
Sentou-se ao lado dela. Estava emocionado. Mal conseguia dizer:
- Trinta anos...
- Xiii! Nem fala! Estou me sentindo uma velha.
E acrescentou:
- Caquética.
Curioso. Ela engordara, claro. Tinha rugas. Mas o que realmente mudara fora a voz. Ou será que ela sempre tivera aquela voz estridente? Impossível. Ele se lembrava de tudo dela. Tudo. O amor da sua vida. Ela agora lhe cutucara o braço.
- Tu tá um broto, hein?
- Que fim você levou? Quer dizer...
- Nem me fala, meu filho. Sabe que eu já sou avó?
- Não!
Ele não conseguira esconder o horror na sua voz. Mas ela tomou como um elogio. Gritou "Haroldo!", chamando o marido, que veio sorrindo. Ela apresentou: "este aqui é um velho amigo..."
Mas não disse o nome. Meu Deus, ela esqueceu o meu nome! Ela instruiu o marido:
- Mostra o retrato do Gustavinho.
E para ele:
- Tu vai ver que mimo de neto.
O Haroldo pegou a carteiras. Ela esqueceu o meu nome. E eu me lembro de tudo! A cicatriz do apêndice. O apartamento na André da Rocha. "Vou te amar sempre, sempre"! Tudo!
O Haroldo tirou o retrato da carteira. Ele pegou o retrato. O Gustavinho olhava assustado para a câmara.
- Não é um amor? - perguntou ela.
Ele devolveu o retrato para o Haroldo. Disse:
- Não.
- Como, "não"?
- Não achei, pronto.
E saiu atrás de um uísque.






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