Muitas vezes me tenho lembrado da Cláudia. Talvez menos do que seria normal, certamente menos do que ela merece. Mas, quando me lembro, vem-me a imagem desse riso ou da fugaz tristeza que às vezes lhe corria nos olhos e em que só estando atento se reparava. Muitas vezes me lembro dos nosso diálogos, durante as longas horas daqueles sofridos e gloriosos dias, interminavelmente aos saltos e solavancos dentro do jipe, navegando no vazio, num horizonte despido de qualquer vaidade e presunção. Dias de inocência, de iniciação, de descoberta, pelo Sahara adentro, pelas nossas almas adentro. Ou então lembro-me dos nossos diálogos ou gestos ao fim do dia, quando finalmente parávamos para acampar junto às dunas e não havia tempo a perder para montar a tenda e tirar as coisas necessárias para o jantar e para a noite enquanto havia luz. E então Cláudia desaparecia invariavelmente, para andar de mota ou conversar com os amigos, deixando-me a rogar pragas, na ingrata tarefa de esperar as espias da tenda no chão, para o que me faltava todo o jeito e vontade. Tínhamos combinado que ela se encarregaria da despensa e eu da cozinha, ela do acampamento e eu da condução. Tínhamos combinado tantas coisas! Só quando o deserto ficou para trás e Espanha apareceu à vista, quando navegávamos de volta para casa, atravessando o Estreito num barco que rasgava a escuridão líquida da noite e com o jipe destroçado arrumado no porão do navio, é que percebemos que todas as promessas estavam a chegar ao fim. O que nos trouxera até ali, entre amuos e tempestades de areia, entre riso e a alegria, fora a necessidade de um mínimo de ordem e disciplina: era preciso chegar lá e voltar. Mesmo a desordem necessita de uma ordem que lhe dê um sentido para que não seja apenas leviandade.
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